Uma pesquisa realizada dentro do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp procurou avaliar o impacto do estresse no ambiente de trabalho. O estudo foi conduzido por Renata Cristina Sobral que aplicou o questionário Health Safety Executive – Indicator Tool (HSE-IT) em 2.284 trabalhadores dos segmentos de call center, hospitais, bancos, unidades básicas de saúde e indústrias. A orientação foi do professor Sérgio Roberto De Lucca, professor e pesquisador da área de Saúde do Trabalhador da Unicamp.

Este trabalho tem por objetivo apresentar a aplicação de um instrumento inédito no Brasil que utiliza um método qualiquantitativo para identificação e diagnóstico dos principais componentes psicossociais que podem ser considerados fatores primários de estresse laboral, explica Renata.

A pesquisa de campo foi realizada entre 2013 e 2014. Participaram da pesquisa 371 atendentes da empresa de call center; 281 enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem do Hospital Estadual de Sumaré, São Paulo; 168 agentes comunitários de saúde das UBS do município de Parnaíba, Piauí; 240 funcionários de agências bancárias; e 1.224 trabalhadores da indústria.

A metodologia consistiu na aplicação de um questionário quantitativo seguido de um aprofundamento qualitativo com grupos focais. No Brasil, o HSE-IT foi validado em 2013 para o português por Sérgio de Lucca. O questionário é composto de 35 itens ou questões, distribuídas em sete dimensões: demandas, controle, apoio gerencial, apoio dos colegas, relacionamentos, cargo e mudanças. Cada item permite que seja assinalada somente uma resposta entre as cinco alternativas de escolha relacionadas com a percepção dos trabalhadores, nos últimos seis meses, sobre a frequência dos acontecimentos.

Na segunda etapa do método de avaliação qualitativa foi realizada a análise do conteúdo das sessões gravadas com os grupos focais. A inclusão dos sujeitos nos grupos focais considerou somente os trabalhadores que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responderam a todas as questões do instrumento quantitativo e concordaram com a gravação das sessões.

A seleção dos participantes para a constituição dos grupos focais procurou atender à proporcionalidade entre homens e mulheres de cada setor, à média de idade e tempo médio de trabalho na empresa pesquisada e à preservação, em cada grupo, do mesmo nível hierárquico. No call center foram selecionados 14 atendentes, em dois grupos de sete pessoas. No hospital, separaram se dois grupos, sendo um grupo com sete técnicos e auxiliares de enfermagem e outro com nove enfermeiros. Nas UBS, 12 agentes comunitários de saúde participaram de quatro sessões. Na indústria foram definidos sete grupos de operadores dos três setores críticos nos respectivos turnos de trabalho.

De acordo com a pesquisa, na percepção dos trabalhadores durante as sessões nos grupos focais, a falta de controle ou autonomia sobre as atividades de trabalho se destacou como principal dimensão de estresse no trabalho. A falta de reconhecimento e de plano de carreira e promoção emergiram como importantes categorias de análise, fonte de estresse e potencial desencadeador de sofrimento entre os sujeitos pesquisados.

As narrativas dos grupos focais descritas a seguir ilustram o estresse entre os pesquisados:

O Top Performance é uma ilusão. Força os funcionários a serem perfeitos pra poder participar do processo seletivo. Hoje, num corredor de 14 pessoas, só 1 ou 2 são Top.

(…) não há reconhecimento nenhum. Aí os bons vão embora para lugares onde serão reconhecidos.

E, cadê o repasse das informações? O pessoal quer me bater aqui, dizendo que eu ‘tô’ mentindo.

Se você pegou uma falta já era: tem que ser 100% o ano inteiro. Se você teve um problema de qualidade também não pega. A injustiça é não pegar porque você ficou doente.

“As narrativas dos sujeitos nos grupos focais expressaram sentimentos de não serem recompensados adequadamente em relação ao esforço despendido. A falta de feedback e de reconhecimento pode desencadear sofrimento nos trabalhadores e vir a ser o prenúncio de adoecimento psíquico”, alerta a pesquisadora.

O método descrito e analisado na pesquisa oferece aos pesquisadores e profissionais de saúde e trabalho, de instituições públicas e privadas, empresas ou sindicatos, um método e ferramenta para o diagnóstico coletivo dos principais aspectos psicossociais e organizacionais desencadeantes de estresse na organização de trabalho.

“Seria desejável que as empresas, organizações e governo assumissem como imprescindível o gerenciamento desses aspectos, a exemplo do que ocorre na Europa. O diagnóstico dos fatores psicossociais em qualquer organização e as formas de intervenção são caminhos necessários e promissores. O trabalho que faz sentido é aquele que emancipa e que possibilita crescimento e desenvolvimento daquele que o realiza”, afirma Renata.

 

Veja a matéria no: Boletim da FCM.