Pandemia mostra que teto de gastos agravou falta de financiamento do SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro tem muitas particularidades, mas está apresentando papel importante no combate à pandemia no Brasil. Considerado por muitos analistas o maior sistema de saúde pública do mundo desde a sua criação, em 1988, pela Constituição Federal, o sistema brasileiro busca alcançar sua premissa de acesso à saúde pública universal para todos os cidadãos. Entretanto, uma grande pedra no caminho foi encontrada: o baixo financiamento.

Segundo o professor Áquilas Mendes (FSP-USP), desde o início do Plano Real, em 1995, até 2019, o porcentual do gasto do Ministério da Saúde (MS) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é o mesmo, cerca de 1,7%. Para ele, isso mostra a ausência de compromisso dos governos federais com o SUS, pois, mesmo que somado aos investimentos dos Estados e municípios, o valor não ultrapassa 3,9%, diferentemente de outros países com sistemas universais como França e Reino Unido, com uma média de 8% do PIB de gasto público. Como se não bastasse isso, em 2016 o governo brasileiro conseguiu aprovar a Emenda Constitucional 95 (conhecida como Teto de Gastos), que congela os gastos públicos por 20 anos.

“Portanto, o SUS sai de um subfinanciamento para um desfinanciamento, um declínio dos recursos”, explica Mendes, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, em entrevista ao Jornal da USP no Ar. Na pandemia, houve momentos de realocação de recursos do governo federal para o MS, chegando a  R$ 38,9 bilhões no final de junho. Mas há uma diferença básica que o professor aponta quando se trata de dinheiro público: a quantidade que se reserva (empenha) e a que se executa (líquida) são duas coisas diferentes. De acordo com Mendes, foram liquidados e gastos efetivamente R$ 11 bilhões. “Não adianta colocar mais recursos se você não gasta.”

Apesar disso, os Estados e municípios estão lidando melhor com a liquidação desses recursos, sem que haja o protagonismo da União. “A maior parte do financiamento é de responsabilidade do governo federal […]. Se há R$ 38,9 bilhões, esse valor precisa ser empenhado e liquidado. Isso é responsabilidade total do governo federal”, aponta Mendes. O professor de Economia Política da Saúde diz parecer que o governo federal não está encarando essa situação catastrófica como prioridade. “A questão [de não ter prioridade] não é só técnica, é política.”

Segundo o especialista, a agilidade no repasse dos recursos iria amenizar muito toda a situação em que nos encontramos, mesmo com os Estados e municípios trabalhando, na maioria das vezes, em conjunto no combate à covid-19. “Se não tivessem feito isso, estaríamos em uma situação muito pior.” Mendes aponta caminhos que podem melhorar a relação do financiamento de recursos para o SUS e sua distribuição, como a urgente necessidade de revogação do Teto de Gastos e novas formas de alocação de recursos.

 

Fonte: jornal.usp.br